1822: Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram dom Pedro a criar o Brasil - um país que tinha tudo para dar errado – LAURENTINO GOMES

quinta-feira, setembro 28, 2023

 


 

Dando continuidade a trilogia que narra os fatos sobre a família real portuguesa no Brasil, “1822” destaca o reinado de dom Pedro I após a volta de dom João VI a Portugal, em 1821, depois de 13 anos no Rio de Janeiro. Nessa obra, também acompanhamos o Grito do Ipiranga e o que o fatídico dia trouxe para a evolução do país.

 

O famoso quadro “Independência ou morte”, de Pedro Américo, exposto no Museu do Ipiranga (Museu Paulista, em São Paulo) que encanta os visitantes pelos seus 7 metros de largura, e que está presente em tantos livros de história, não passa de uma interpretação bonita e galante do fato ocorrido no dia 7 de setembro de 1822. Pego de surpresa e sem nenhuma elegância, ao se aproximar do riacho do Ipiranga, às 16h30, o príncipe regente estava com dor de barriga. As causas são incertas, talvez algum alimento mal conservado ingerido em Santos no dia anterior, ou água contaminada das bicas na serra do mar durante a subida a São Paulo. O belo cavalo no quadro também estava longe de ser o que realmente dom Pedro estava montado, sem nenhum charme, porém forte e confiável. Apesar de não ser nada épica como foi retratada, porém mais natural e brasileira, a proclamação da Independência do Brasil foi importantíssima para a história da nação.

 

Longe de ser o início de tudo em 7 de setembro, a independência do Brasil começou em meados de janeiro, quando dom Pedro contraria as ordens das cortes portuguesas e anuncia a decisão de permanecer no Brasil no dia 9 de janeiro, o conhecido “Dia do Fico”. Algumas semanas após o “Dia do Fico”, no dia 24 de março dom Pedro saiu às pressas do Rio de Janeiro com as notícias de uma rebelião nas cidades mineiras com o intuito de separar a província de Minas Gerais do restante do Brasil. Com cerca de 600 mil habitantes, sendo a região mais populosa do país, era também uma das mais poderosas política e economicamente, e sem o apoio dos mineiros, os planos de dom Pedro e José Bonifácio iriam por água abaixo. Felizmente o fato não aconteceu, e o príncipe foi recebido de braços abertos pela população.

 

Dando voz à história do futuro imperador do Brasil, dom Pedro tinha apenas 22 anos quando assumiu o lugar do pai, dom João VI, na administração do Brasil, e 23 anos quando declarou a independência. Dom Pedro foi um homem apaixonado, amou muitas mulheres, se dedicou à política com paixão, modernizou as leis e as sociedades que governou, fez a independência de um país e, como bom soldado e chefe carismático, reconquistou Portugal no campos de batalha. Monarca liberal e de prática autoritária, seu discurso era “Tudo farei para o povo, mas nada pelo povo”. Foi casado duas vezes, sendo sua primeira esposa a princesa austríaca Leopoldina, com quem teve sete filhos, e a segunda a imperatriz Amélia, com quem teve uma filha. Porém, devido à sua “fome insaciável de mulher”, teve diversos filhos bastardos, incluindo cinco deles com Domitila de Castro Canto e Melo, a marquesa de Santos, de quem foi amante e perdidamente apaixonado por sete anos.

 

Com um papel extremamente importante para a independência do Brasil, tal qual Thomas Jefferson foi para a independência dos Estados Unidos, José Bonifácio de Andrada e Silva era conselheiro de dom Pedro. Com conhecimento em direito, filosofia, matemática, química e mineralogia, esteve por 36 anos em vários países da Europa e testemunhou, em Paris, o furor da Revolução Francesa. Já em Portugal alguns anos mais tarde, esteve nas trincheiras contra o exército de Napoleão Bonaparte enquanto a corte de dom João VI fugia para o Brasil. À frente do ministério  de dom Pedro por pouco tempo, nenhum outro homem público realizou tanto em tão pouco tempo. Bonifácio acreditava que a única maneira de impedir a fragmentação do território brasileiro após a separação com Portugal seria sob o regime de monarquia constitucional e a liderança do imperador Pedro I. E foi assim que o Brasil se tornou independente em 1822.

 

Era defensor da catequização e civilização dos “índios bravios”, da transformação dos escravos em “cidadãos ativos e virtuosos” e de uma reforma agrária que substituísse o latifúndio improdutivo pela pequena propriedade familiar. Além disso, era a favor da educação fundamental gratuita para todos e a criação de pelo menos uma universidade pra ensino superior de medicina, filosofia, direito e economia. Mas seu plano fundamental era libertar os escravos e incorporá-los à sociedade como cidadãos de pleno direito.

 

Tão importante na construção do Brasil independente quanto o marido, a primeira imperatriz brasileira, Maria Leopoldina, tinha tudo o que dom Pedro valorizava em uma mulher, exceto beleza e sensualidade. Casada com o homem errado, Leopoldina reunia um conjunto de virtudes no campo da educação, das boas maneiras e com sensatez na forma de agir. Nasceu na Áustria em berço de ouro e uma das cortes mais bem educadas e ilustres da Europa. Na corte de Viena, as princesas eram preparadas para servirem ao Estado, tendo o papel principal de gerar a descendência mais numerosa e saudável para seus futuros maridos príncipes, reis e imperadores.

 

Apesar de sua linhagem, Leopoldina era infeliz. Os três primeiros anos de casamento foram relativamente felizes, no entanto a desilusão com o marido, a mediocridade da vida social no Rio de Janeiro, a resignação de nunca mais voltar à Europa e perceber que estava abandonada à própria sorte no Brasil foram pontos importantes para sua decadência. Sua vida piora ainda mais quando dom Pedro leva Domitila de São Paulo para o Rio de Janeiro, que passa a receber toda a atenção do imperador, ganhando presentes e honrarias, enquanto Leopoldina era ofuscada e humilhada em público, abandonada pelo marido e recebia cada vez menos dinheiro para casa e o sustento dos filhos. A princesa triste faleceu aos 28 anos, dias após abortar seu nono filho. As causas da morte são um mistério, porém há boatos da época de que dom Pedro teria agredido Leopoldina com pontapés na barriga durante uma discussão na presença da marquesa de Santos.

 

A notícia da morte da imperatriz causou comoção pela cidade, com o povo saindo às ruas aos prantos, os escravos se lamentando aos gritos a perda de sua mãe. A casa da marquesa de Santos foi apedrejada, apontada como culpada pelo sofrimento de Leopoldina. Dom Pedro retorna ao Rio de Janeiro após saber da morte da esposa e se tranca em um luto de oito dias, no entanto, na noite seguinte a sua volta, foi enxugar suas lágrimas na cama da marquesa de Santos.

A Guerra da Independência durou 21 meses, foi longa e desgastante, milhares de pessoas morreram nas roças, morros, mares e rios onde foram travados os conflitos. “O número de combatentes foi maior que o das guerras de libertação da América espanhola na mesma época. Só na Bahia cerca de 16 mil brasileiros e 5 mil portugueses trocaram tiros durante um ano e quatro meses”. Não existem estatísticas em relação aos números de mortos, mas há evidências de que os números são maiores do que se imagina.

 

Dom João VI morreu em 1826, após uma crise de vômitos e convulsões e a hipótese de envenenamento muito comentada na época, teve nova repercussão quando foram analisados os restos mortais do rei, onde o estudo indica uma elevada concentração de arsênico nas vísceras, uma quantidade suficiente para matá-lo em poucas horas. Entre os interessados em sua morte estão sua esposa, Carlota Joaquina, que já havia fracassado inúmeras vezes na tentativa de tirar o marido do trono, e ainda o filho mais novo do casal, dom Miguel, segundo na linha de sucessão ao trono e que também tentara um golpe fracassado contra o pai.

 

Com a morte do pai, dom Pedro assume a coroa portuguesa, no entanto se acumulasse as duas coroas e voltasse para Lisboa, anularia a Independência do Brasil que custara tanto sangue e sofrimento apenas dois anos antes. Dom Pedro foi rei de Portugal com o nome de Pedro IV, assumindo o trono entre 20 de março e 2 de maio de 1826, quando abdica ao trono em favor de sua filha mais velha, Maria da Glória. Mas manter o trono estava bem longe de ser fácil.

 

Em 7 de abril de 1831, dom Pedro abdica ao trono brasileiro, deixando para trás sem se despedir dom Pedro II, com cinco anos, e suas três irmãs, entre 9 e 6 anos, nomeando José Bonifácio como tutor das crianças e responsável pela criação, educação e formação do futuro imperador. Dom Pedro parte para Portugal com sua esposa Amélia, sua filha com a segunda imperatriz, e Maria da Glória, a pequena rainha de Portugal, apenas deixando uma carta para o filho Pedro.

 

Algumas razões contribuíram para a abdicação de dom Pedro em 1831, entre elas a oscilação entre os interesses dos brasileiros e portugueses, seu envolvimento com a marquesa de Santos, a morte da imperatriz Leopoldina, a longa e desgastante guerra contra a Argentina e ainda a permanente instabilidade política do Primeiro Reinado. A abdicação de dom Pedro foi comemorada com entusiasmo ainda maior pelos brasileiros do que a proclamação da Independência nove anos antes.

 

“Diferentes na aparência, no caráter e nos gostos pessoais”, dom Pedro e dom Miguel também divergiam profundamente nas questões políticas. Pedro era um monarca liberal, enquanto Miguel era conservador. Com a crise política após a morte de dom João VI, Portugal tradicionalista começou a ver em dom Miguel a sua salvação. Em 3 de julho de 1827, dom Pedro nomeou o irmão como regente de Portugal, na esperança de uma solução pacífica, impondo a Miguel a condição de jurar a nova Constituição e se casar com a sobrinha Maria da Glória, legítima herdeira do trono, até que completasse a maioridade e se tornasse rainha.

 

Em 22 de fevereiro de 1828, dom Miguel desembarca em Lisboa e é recebido com triunfo pelos absolutistas, demitindo o ministério e se declarando rei legítimo com mandato retroativo ao dia da morte do pai, tornando ilegítimos os atos de dom Pedro e da filha Maria da Glória. O clima de terror tomou conta entre os portugueses, com prisões, assassinatos e enforcamento dos adversários políticos, confiscando propriedades e queimando casas. Os acontecimentos em Portugal reacenderam a atração por desafios em dom Pedro.

 

Partindo dos Açores em 27 de junho de 1832, a tropa de dom Pedro era “composta por 7.500 voluntários, muitos deles sem nenhum treinamento militar”, enquanto o exército de dom Miguel contava com 80 mil oficiais e soldados regulares. A guerra entre os irmãos durou dois anos, de 1832 a 1834, e apesar dos números da causa liberal serem menores no início, vários acontecimentos imprevistos e improváveis favoreceram a vitória de dom Pedro. “O legado de dom Pedro na história portuguesa seria longo e profundo”. O povo português queria sangue, inconformados com o tratamento generoso que foi dado aos homens que causaram tantos sofrimentos ao país.

 

“A glória alcançada nos campos de batalha cobraria de dom Pedro um preço altíssimo, ainda maior do que ele havia pago ao abdicar do trono brasileiro em 1831: a própria vida”. Em 24 de setembro de 1834, no palácio de Queluz, no mesmo leito em que sua mãe Carlota Joaquina o dera à luz, dom Pedro morre aos 36 anos nos braços da imperatriz Amélia devido a um quadro devastador e avançado de tuberculose. Mesmo na morte dom Pedro ficou dividido entre Brasil e Portugal, tendo como último desejo antes de morrer, que seus restos mortais permanecessem no Brasil, enquanto seu coração ficasse na cidade do Porto em sinal de gratidão aos seus moradores na guerra contra o irmão dom Miguel.

 

Laurentino Gomes mais uma vez reúne fatos históricos de uma forma de fácil entendimento e nos mostra como o Brasil, que tinha tudo para dar errado em 1822, deu certo por combinações de acaso, improvisação e de sabedoria dos responsáveis conduzindo os destinos nacionais naquele momento de grandes sonhos e muitos perigos.

 

1822: COMO UM HOMEM SÁBIO, UMA PRINCESA TRISTE E UM ESCOCÊS LOUCO POR DINHEIRO AJUDARAM DOM PEDRO A CRIAR O BRASIL - UM PAÍS QUE TINHA TUDO PARA DAR ERRADO

PÁGINAS: 376

AUTOR: LAURENTINO GOMES

EDITORA: GLOBO LIVROS

 

 

 

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