1889: Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil – LAURENTINO GOMES

quinta-feira, outubro 12, 2023

 


Finalizando a trilogia sobre a formação do Brasil enquanto nação, “1889” narra a trajetória da Proclamação da República e o reinado de dom Pedro II. Para ajudar a compreendermos a política atual, é essencial conhecer o passado do país. Sem termos técnicos, mas focado em uma narrativa de fácil entendimento, Laurentino Gomes encerra nos lembrando que um dos desafios do povo brasileiro atualmente é fazer parte da construção do futuro do país.

 

E se a república jamais tivesse existido, será que ainda hoje teríamos monarcas reinando o país? Em meio a tantas promessas, os propagandistas republicanos defendiam o fim dos privilégios da nobreza, a ampliação do voto popular e a garantia à liberdade de expressão. Assim como tudo na vida, a teoria no papel é maravilhosa, mas o novo regime nasceu graças a um golpe militar presidido pelo marechal Deodoro da Fonseca, um homem que, horas antes do fato histórico, era reconhecido pelas simpatias monarquistas. Além disso, o novo regime não incluiu a voz do povo nas suas diretrizes, criando uma grande distância entre os sonhos e a realidade brasileira.

 

Durante 67 anos o Brasil se manteve como a única Monarquia duradoura das Américas, mas esse era um regime condenado pelas suas contradições. Dom Pedro II era um intelectual respeitado e governou um país dominado pela escravidão, pelo analfabetismo e pelo latifúndio. A famosa frase “toma lá dá cá” era característica do Império brasileiro, onde fazendeiros e senhores de escravos apoiavam o governo e, em troca, recebiam títulos da nobreza não hereditários.

 

Foi na manhã de 15 de novembro de 1889 que a Monarquia cedera lugar à República. O imperador Pedro II foi obrigado a sair do país, banido para sempre do lugar em que nascera para viver exilado na Europa. Já o destino da nova República estava nas mãos de um marechal idoso e muito doente que, como dito antes, era considerado um monarquista convicto e amigo do imperador.

 

Dando voz à sociedade imperial da época, escrever, pintar e compor era um meio de ascensão social e garantia ingresso para frequentar os ambientes e os salões da corte que até então eram vetados aos intelectuais. No entanto, os quadros de Victor Meirelles e Pedro Américo, as óperas de Carlos Gomes e os romances açucarados de José de Alencar refletiam a vida na Europa e nada diziam sobre a dura realidade brasileira. Adepto às transformações científicas do século, em 1876, durante uma de suas viagens Pedro II conhece o telefone, uma invenção de Graham Bell, e encomendada diretamente ao seu criador, o primeiro telefone brasileiro chega ao Rio de Janeiro quatro anos mais tarde. Dom Pedro foi também um dos primeiros a adotar a fotografia, tornando sua vida e seu reinado documentados em detalhes pela nova tecnologia.

 

Enquanto a ideia da República ia tomando voz na boca do povo, alguns de seus defensores eram radicais, como advogado Antônio da Silva Jardim, que tinha a opinião de que os membros da família imperial que resistissem ao novo regime republicano deveriam ser executados em praça pública, assim como o rei Luis XVI e a rainha Maria Antonieta na França. Não tão radical quanto o advogado, o jornalista republicano Quintino Bocaiúva preferia esperar a morte do idoso imperador e só então fazerem a troca do regime.

 

O ideal republicano esteve por trás de episódios como a Guerra dos Mascates, de 1710, em Pernambuco; a Revolta dos Alfaiates (Conjuração Baiana), de 1798; a Revolução Farroupilha, de 1835, no Rio Grande do Sul; entre outros. Após a declaração da Independência, o jornalista João Soares Lisboa, redator do jornal “Correio do Rio de Janeiro”, defendia o “Pedro I sem II”, dando a entender que a Monarquia era apenas uma solução transitória após o rompimento dos vínculos com Portugal e que o país deveria caminhar para a República rapidamente.

 

Um requerimento aprovado em janeiro de 1888 propunha que, no caso do falecimento do imperador Pedro II, os brasileiros fossem consultados a respeito de ter ou não um terceiro reinado. Caberia ao país decidir “se convém a sucessão no trono brasileiro de uma senhora obcecada por uma educação religiosa e casada com um príncipe estrangeiro”. A questão era orquestrada pela maçonaria e ia além disso. Ao assinar a Lei Áurea em 13 de maio de 1888, Isabel propiciou um derradeiro momento de popularidade da Monarquia brasileira, que estava abalada pelos conflitos da Questão Militar e pelo avanço da propaganda republicana. A princesa recebeu homenagens e celebrações em todo o país, recebendo o título de “A Redentora”. No entanto, a mesma lei tirou do trono seu pilar mais sólido de sustentação, a aristocracia rural e escravagista representada principalmente pelos barões do café do vale do Paraíba.

 

Porém, a abolição foi apenas parte do problema envolvendo a princesa, profundamente religiosa e conservadora, era apontada pelos críticos ser mais fiel ás orientações da Igreja do que aos interesses dos brasileiros. Além disso, os republicanos também apontavam a princesa como submissa ao marido, o francês Gastão de Orleans, conde d’Eu, e que no caso da morte do imperador Pedro II, seria o conde o verdadeiro soberano brasileiro, tornando o Brasil novamente a ser governado por um príncipe estrangeiro, como havia acontecido até a abdicação ao trono de dom Pedro I em 1831.

 

Dentro dos 43 anos em que foi herdeira do trono brasileiro, Isabel governou o Brasil em três ocasiões, na condição de princesa regente, sempre durante as viagens de seu pai ao exterior. Além dela, apenas outras oito mulheres em todo o mundo ocuparam o posto de autoridade máxima em seus países durante o século XIX, incluindo sua tia, Maria II, de Portugal (filha primogênita de dom Pedro I), e Vitória, da Grã-Bretanha. Isabel era uma excentricidade em um mundo masculino, conservador e patriarcal, sendo mulher e candidata ao mais alto posto na administração pública do Brasil imperial, já que no século XIX prevalecia no país a noção de que as mulheres deveriam ser educadas para assumir papel de esposa e mãe, sendo proibido o direito ao voto e a serem votadas, além do acesso ao ensino superior, privativo aos homens.

 

Exilado das terras onde nascera, Pedro II morreu no início da madrugada de 5 de dezembro de 1891, aos 66 anos, em Paris. O governo francês lhe deu honras de chefe de Estado, o que irritou profundamente os republicanos brasileiros. No dia da morte do imperador, em meio aos seus pertences pessoais, o conde d’Eu encontrou um pequeno embrulho com uma substância escura e um bilhete com a seguinte mensagem: “É terra de meu país; desejo que seja posta no meu caixão, se eu morrer fora de minha pátria”, palavras que indicam que até o leito de morte, dom Pedro II alimentava secretamente a ilusão de um dia retornar ao Brasil. Fato que aconteceu 30 anos mais tarde, em 1920, quando o então presidente Epitácio Pessoa revogou o decreto republicano que banira a família imperial do território nacional.

 

Em 8 de janeiro de 1921, os restos mortais do imperador e da imperatriz foram trazidos para a catedral de Petrópolis, onde se encontram atualmente junto com a princesa Isabel e o conde d’Eu. O historiador Manuel de Oliveira Lima observou que “Dom Pedro II viu-se só e abandonado”, já o sociólogo Gilberto Freyre afirmou que “A Monarquia no Brasil caiu sem ter tido quem morresse por ela”. Palavras do próprio imperador ao filho do Visconde de Ouro Preto, em Paris, dizem que “Esqueceram-se de mim mais depressa do que eu esperava”.

 

O regime militar instalado desmentia grande parte da campanha republicana que mobilizou o país nos anos anteriores. O que foi visto nos dez anos seguintes à implantação da República foi o oposto disso. “Os militares (...) julgaram-se donos e salvadores da República, com o direito de intervir assim que lhes parecesse conveniente”. O porrete da polícia passou a funcionar nas redações dos jornais com freqüência alarmante. Na noite de 29 de novembro de 1890, a redação do jornal “A Tribuna” foi ocupada pelos militares que quebraram tudo o que encontraram pela frente. Foram espancados os redatores, revisores, conferentes, gráficos, funcionários administrativos e até mesmo clientes do jornal. Um dos revisores, Jerônimo Ferreira Romariz, morreu um mês mais tarde em consequência dos ferimentos.

 

A Revolução Federalista, de 1893, no Rio Grande do Sul, é um exemplo eloqüente do clima de ódio que se instalou no Brasil nos anos seguintes à Proclamação da República. Estima-se que ente 10 mil e 12 mil pessoas perderam a vida, incluindo duas mil vítimas de degolas coletivas. Massacres, fuzilamentos, prisões e exílios forçados foram o preço que o novo regime pagou pela própria consolidação. No sertão da Bahia, houve o sacrifício épico da vila de Canudos, um conflitou que custou a vida de cerca de 25 mil pessoas e uma história de humilhação para o Exército brasileiro, que foi derrotado em três expedições consecutivas por um bando de jagunços e sertanejos pobres, analfabetos e mal armados.

 

Presidente e governadores tinham um pacto, a justiça era executada de acordo com a vontade desses chefes regionais, o que assegurava ao governo maioria no Congresso. Longe de ser diferente da monarquia, a república também manteve a prática do sistema de “toma lá dá cá”, inaugurado por dom João na chegada da corte ao Brasil, mediante a troca de privilégios nos negócios públicos por apoio ao governo.

 

E assim permaneceu pelos cem anos seguintes, marcados por golpes e rupturas entremeados por breves e instáveis períodos de democracia. Foi só em 1984 que ruas e praças de todo o Brasil foram palco de emocionadas e pacíficas manifestações políticas, onde milhões de pessoas exigiam o direito de eleger seus representantes. A Campanha das Diretas, também conhecida como Diretas Já, abriu caminho para que a República pudesse enfim incorporar o povo na construção do seu futuro.

 

1889: COMO UM IMPERADOR CANSADO, UM MARECHAL VAIDOSO E UM PROFESSOR INJUSTIÇADO CONTRIBUÍRAM PARA O FIM DA MONARQUIA E A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL

PÁGINAS: 416

AUTOR: LAURENTINO GOMES

EDITORA: GLOBO LIVROS

 

 

 

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