O conto da Aia – Margaret Atwood

quinta-feira, julho 11, 2019



Quando a sociedade se transforma em uma distopia, o ser humano é obrigado a se acostumar com aquilo que lhe é imposto. Medidas drásticas são tomadas e a morte acaba virando algo normal, assim como o abuso sexual de mulheres obrigatoriamente consentido que tem como dever acatar as suas imposições biológicas: procriar.

Particularmente eu estava ansiosa para finalizar a leitura de O conto da Aia, queria assistir também a série e dar rostos aos personagens e ver até que ponto eles foram fieis aos detalhes do conteúdo literário. Se a maioria ainda não leu o livro, tenho certeza que a série já assistiu, conhecendo assim a história de Margaret Atwood.

Em um futuro não tão distante, O conto da Aia conta a história de Offred, de 33 anos, que é uma serva na República de Gilead, narrado pela própria personagem enquanto vive na nova sociedade e relembra a vida que tinha antes. Em um mundo onde o ser humano destruiu os recursos naturais do planeta, a poluição começa a afetar a genética dos seres vivos, incluindo o número de bebês que nascem com problemas. Soma-se a isso, de acordo com a lei dos Filhos de Jacob, o problema dos abortos que as mulheres cometiam sem “escrúpulos”.

Após uma série de atentados contra o governo americano, a sociedade passa a viver sob “os olhos d’Ele”. Uma reconstrução cristã é realizada, as esposas em um casamento abençoado por Deus se submetem ao poder de seus maridos, agora o homem da casa. Em suas novas vidas, é proibido trabalhar, ter conta bancária, ler e escrever. Jornais, revistas, músicas e muitas outras coisas são proibidas. As Esposas passam a viver para o lar e para a família, tricotar e cuidar do jardim passam a ser os seus hobbies obrigatórios.

É o começo de uma sociedade utópica, onde não existem mais crimes, onde as mulheres não correm mais o risco de serem abordadas por um sujeito no bar e levadas a um beco para serem estupradas e talvez mortas. Deus é o guia nessa sociedade e acatar às suas palavras é a nova ordem. Isso até soaria como uma sociedade perfeita se violações dos direitos humanos não fossem cometidas.

Mulheres adúlteras, prostitutas, homossexuais, entre outras que são fecundas viram Aias. Algumas professoras, médicas e talvez com outras posições mais altas se tornam Marthas, as empregadas das casas perfeitas. Já aquelas mulheres que não podem engravidar viram as “Não mulheres” e seus destinos são as colônias, onde são escravas em terras contaminadas até morrerem.

Antes de terem uma casa estabelecida, as Aias passam por um treinamento no Centro Vermelho, onde aprendem as suas obrigações (engravidar, ser submissa a tudo) e descobrem que seus direitos não existem. As “Tias” são as que comandam as Aias, que cuidam para que sejam obedientes e, caso descumpram seu papel, cuidam dos seus castigos, entre eles ter mãos, pés, olhos, línguas ou clitóris arrancados, serem enviadas para as colônias ou serem fuziladas ou enforcadas, tudo depende do nível da desobediência.

Já na casa à qual pertencem, as Aias são estupradas uma vez por mês em seus períodos férteis. A Esposa a deita entre as suas pernas e segura as suas mãos enquanto o marido faz o serviço destinado a ele. É proibido tocar e olhar para a Aia, qualquer sinal de carinho pode causar graves consequências. Até mesmo porque isso não é nada além do que uma transação comercial. A diferença é que a mulher de vermelho deitada com as pernas abertas não ganha nada com isso.

Se a Aia for sortuda o bastante, ou melhor, se Ele a abençoar, o seu Comandante não será estéril e em algum momento ela estará grávida. E então, após o bebê nascer e se ele for saudável e sem nenhum defeito genético, ela ganha pontos e algumas poucas regalias (como tomar sorvete). Caso contrário, ela rodará de casa em casa. Isso se nada mais trágico acontecer no meio do caminho.

Resumidamente, O conto da Aia fala de uma sociedade que, aos olhos daqueles que confiam fielmente em Deus, acreditam ser a única solução para o país e o mundo. A obrigação do ser humano e principalmente das mulheres é gerar vidas, povoando a Terra, uma obrigação de acordo com as palavras escritas no Antigo Testamento. Homens estéreis não existem nessa sociedade, se o casal não tem filhos a culpa é única e exclusiva da Esposa, pois ela com certeza cometeu algum pecado para que Deus a fizesse infértil.

Da mesma forma que as Aias são obrigadas a serem estupradas mensalmente e tem o dever de gerar um filho, as Esposas se submetem a esse papel de “mulher perfeita”, que ama Deus e obedecem a seu marido tanto quanto a Ele. Apesar de muitas Esposas concordarem com esse papel, a única forma de terem seu tão sonhado filho, muitas coisas também lhes foram tiradas.

É uma sociedade perfeita apenas para o homem, que idolatra o machismo. As leis devem ser cumpridas à risca, caso contrário seus corpos serão expostos pendurados em forcas no muro para toda a cidade ver que você cometeu um pecado (isso serve para qualquer um, homens e mulheres). Mas é claro que, mexendo alguns pauzinhos, a luxúria que eles cometem fora de casa não é tão errada assim, já que aquele determinado marido não é o único. Além disso, eles têm o papel principal de povoar a Terra, então que mal há nisso desde que seja bem escondido?

Famílias são destruídas se elas não são perfeitas aos olhos de Deus, com isso leia-se casamentos homossexuais ou aqueles que não estão em seu primeiro casamento. Muitos que tentaram fugir para o Canadá encontraram a morte, mulheres foram “distribuídas” em seus novos cargos e seus filhos foram arrancados de seus braços e entregues a outras famílias, passando por traumas profundos.

Um dos detalhes da história é relacionado ao nome das Aias que sempre virá com a preposição em inglês “Of” mais o nome do marido da casa em que vive, sugerindo assim que a Aia “pertence a fulano”. No caso da personagem principal, Offred: “De Fred”. Fora o detalhe de que elas são carimbadas, por assim dizer, para identificar que são Aias. É colocado em suas orelhas um tipo de piercing para que fique visível a sua “posição” na sociedade.

Outro detalhe fica para as cores das roupas. Existe um padrão, basicamente um uniforme, para distinguir as pessoas. As Aias vestem vermelho, a cor do pecado; as Esposas vestem azul, podendo ser um pouco mais escuros ou mais claros; as Tias vestem marrom; as Marthas vestem um verde desbotado e as esposas das classes mais baixas vestem algo listrado, meio colorido. Os maridos, de classe alta e que possuem poder, vestem ternos pretos. Já os Guardiões, o novo Exército, são fáceis de distinguir, eles sempre estão com uma metralhadora pendurada no ombro. É uma forma bem visível de separar a sociedade.

Honestamente, a leitura me fez querer expressar a minha opinião quanto ao tema. Quando assisti a série me encontrei tão dentro do assunto que quando fui escrever  eu travei. Muitas coisas passam na cabeça e, ao mesmo tempo em que me senti revoltada, eu ficava pensando no bem do próximo quando alguém tentava fugir. Enfim, um conflito de opiniões tomou conta de mim, mas nada falou mais alto do que a sede pela liberdade e pela justiça.

Apesar de ter gostado muito da leitura confesso que o final me deixou com gostinho de quero mais. E mesmo acreditando que a história em si seria completamente revoltante com uma narrativa carregada de detalhes pesados, não foi isso que encontrei.

Encontrei uma leitura que me fez analisar mais uma vez a capacidade do ser humano de só pensar no próprio bem, sejam por questões políticas ou religiosas. Desejo, hoje mais do que ontem e assim sucessivamente, que o poder nunca fale mais alto do que a liberdade e o direito de cada indivíduo, independente da sua raça, sua opinião política, se acredita ou não que Deus existe e das suas preferências sexuais. Que cada um tenha o direito de fazer as suas próprias escolhas, hoje e sempre.

O CONTO DA AIA
AUTOR: MARGARET ATWOOD
EDITORA: ROCCO
PÁGINAS: 368

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