VÉSPERA – CARLA MADEIRA

domingo, março 02, 2025


 

Finalizo o ano de 2024 com o coração grato por ter conseguido ler mais mulheres, como prometi a mim mesma, no início do ano. Os três últimos lidos, de Carla Madeira, fecha com chave de ouro minha lista, com personagens que fisgam o leitor e narrativas tão fluidas que não tem como parar de ler, ou retomar a leitura, caso esteja em hiato.

 

“Véspera” conta a história de dois irmãos gêmeos, a vida de seus pais, de suas namoradas e de seus amigos. Uma história fadada desde o início a dar errada, Carla nos apresenta o passado de cada um deles entremeando o presente.

 

Quando Antunes pai bebia, se tornava uma pessoa melhor, sóbrio era intragável, já bêbado era adorável. Quando Antunes filho, Tonico, via o pai abrindo o armário vibrava de alegria, afinal criava coragem para ficar por perto e ganhar um afago de mãos leves desarrumando seus cabelos que valia a pena esperar. Quanto mais o pai bebia, mais ganhos havia. Tonico prometeu beber quando crescesse.

 

Querendo mudar de vida e morar em uma cidade maior, sair da casa dos pais e ficar longe da família onde praticamente tudo não pegava bem, incluindo os sorrisos, Custódia se casou com Antunes após alguns meses de namoro à distância por cartas. Custódia casou virgem, foi a primeira vez que viu um homem nu e aquilo foi para ela um assombro, que a ofendia desmesuradamente.

 

Para o azar de Custódia, quando Antunes bebia, ao contrário do pai, ele se tornava uma pessoa pior, com brincadeiras de mau gosto, repetições intermináveis e constrangedora prepotência. Nunca houve violência física, ficava chato, inconveniente e, para desespero de Custódia, tarado de verdade.

 

Acreditando ter encontrado a solução para o fogo do marido, Custódia passou a engolir o asco pelo marido na tentativa de ter um filho, só assim ele a deixaria em paz. Com o passar dos anos o filho não veio, e o desejo do marido também não diminuiu, o que a fez enfiar a cara na Bíblia e se apegar à religião, afinal Deus daria um jeito. Quando finalmente seu milagre aconteceu, vieram dois, gêmeos, o álibi perfeito para evitar o aborrecimento de se deitar com o marido, uma abstinência medicinal e inegociável.

 

Antunes planejou meticulosamente o troco que queria dar em Custódia, queria ser respeitado, desejava sua mulher mesmo após tantos anos, sentia a humilhação que ela causava a ele. Três dias após o nascimento dos filhos, ele chegou cambaleante em casa com a certidão de nascimento: os filhos que se chamariam Pedro e Paulo foram registrados como Caim e Abel, na certeza de que golpearia Custódia não imaginou o tamanho da tristeza que provocaria nela, fazendo dele vítima do que não saberia lidar para o resto da vida com o peso daquele ato.

 

Os meninos cresceram sendo chamados pela mãe como Abel e Abelzinho, até o dia em que precisaram ir para a escola. Unha e carne um do outro, Antunes precisou explicar que os dois eram irmãos, mas seres individuais, e contou seus nomes, o que causou confusão nos dois. Ali começava o distanciamento entre os irmãos que Custódia jamais imaginou que aconteceria.

 

Separados em duplas, mas na mesma sala, Caim se enturmou facilmente com Paulo Parede, apelidado por gostar de se pendurar em lugares inusitados, e com uma energia e entusiasmo contagiantes. Dia após dia, Abel foi vendo a alegria de Caim minar a sua, e enquanto um se dava bem nos estudos e nas amizades, o outro foi se fechando e se tornando uma rocha, distante demais para ser acessado.

 

Com a morte de Paulo Parede, dentro da escola, após um pulo do terceiro andar mal calculado, o peso do afastamento dos irmãos aumentou. Cada um vivia em seu mundo, enquanto Caim se sobressaia na matemática, Abel foi repetindo de ano e ficando para trás, tanto por sua falta de vontade, quanto pela implicância e ignorância de um professor que cismava em chamá-lo de burro, e nunca capaz de ajudá-lo.

 

O mundo para Abel caiu de vez quando viu Caim com Veneza, a garota que ele tanto cobiçava nos intervalos das aulas, de longe, observando ela andar pelo pátio com sua amiga Vedina. Graças ao grupo de estudos de matemática, Caim e Veneza passaram a ter mais contato, o que fez do grupo de cinco amigos inseparáveis, mesmo não estudando nas mesmas turmas. Apesar de Veneza ter se tornado a namorada de seu irmão, isso não impediu Abel de cobiçar suas curvas e ter que aliviar a tensão toda manhã imaginando que ela era sua.

 

Intercalando passado e presente, acompanhamos os adultos que Caim e Abel se tornaram e tudo o que ocasionou para que chegassem até ali. O casamento cheio de amor de Caim com Veneza, e a família que começaram a construir juntos, mas com o peso da culpa por saber o quanto Abel desejava a cunhada; o casamento forçado entre Abel e Vedina, onde ela acreditava no começo que, toda aquela fúria que Abel demonstrava ao possuí-la, era uma paixão ardente que sentia por ela, mas que com o passar dos dias, descobriu que aquela rocha só usava a esposa para extravasar a revolta de não poder ter o que de fato queria.

 

“Véspera” é uma leitura carregada de drama, suspense e tensão, que no final nos faz entender o motivo do título, mas confesso que esperava um desfecho diferente, querendo que certas coisas fossem solucionadas de outra forma e acreditando que tudo se encaixaria de uma forma menos apressada. Das três obras de Carla Madeira, apenas o final de “A natureza da mordida” me agradou, apesar de não ter imaginado um final como aquele, de qualquer forma recomendo a leitura, afinal de contas cada leitor tem o direito de se frustrar com os caminhos que certas histórias tomam.

 

Você já conhecia essa história?

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A gente se encontra no próximo post!

 

VÉSPERA

PÁGINAS: 280

AUTOR: CARLA MADEIRA

EDITORA: RECORD

 

 

 

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