Desde que comecei
minha saga literária de ter uma biblioteca particular, sempre cuidei dos meus
livros para que não sujassem, manchassem, dobrassem, riscassem, além de não
emprestar para ninguém, nem mesmo para a minha mãe. Mas desde que entrei nos
clubes dos livros há alguns meses, senti a necessidade de marcar as passagens
que mexiam comigo e que eu achava sim importantes para as narrativas. “A
casa dos espíritos” foi o que mais grifei, e só não destaqueis mais
passagens porque acabaria riscando o livro inteiro. É, Isabel, você realmente
me deixou com ressaca literária!
Livro de estreia da
chilena Isabel Allende, “A casa dos espíritos” foi publicado
em 1982 e até hoje emociona os leitores. Acompanhamos a saga emblemática da
família Trueba e o relato de um período turbulento na história do Chile. Antes
de começar a ler a obra, acreditava que a história daria ênfase aos espíritos,
mas é mais do que isso, é sobre a delicadeza de narrar o sofrimento de um povo,
principalmente as mulheres, que lutam diariamente para tentar sobreviver à
pobreza, ao poder, à ditadura.
Esteban Trueba não
era o que se considerava um bom rapaz, não tinha fortuna e possuía um futuro
incerto pela frente. Hipnotizado, como todos, com aquela aparição que
congestionava o tráfego, ao ver aquele cabelo verde que emoldurava o rosto de
Rosa, Esteban decidiu que apesar de não ser o pretendente ideal, ela era a
única mulher digna de ser sua esposa, e se não a pudesse ter preferia ficar
solteiro, e com a ajuda da irmã se aproximou da família Del Valle. Apesar de
uma beleza inumana e de encantar a todos, Rosa não tinha pretendentes, e
Esteban se tornou seu noivo sem ter de realizar nenhuma proeza.
Focado em se tornar
um homem de posses e também garantir o futuro de sua família, Esteban decide
arriscar nas minas de ouro e prata, que era o grande sonho dos aventureiros,
podendo afundá-los na miséria, matá-los de tuberculose ou torná-los homens
poderosos. Um dia, Trueba recebe um telegrama de sua irmã anunciando a morte prematura
e erroneamente de Rosa graças a uma garrafada envenenada destinada a seu pai.
Em meio ao seu
desespero, Esteban praguejou, irritado por ter dado a vida nas minas de ouro
por Rosa e ela simplesmente fugir-lhe das mãos. Naquela noite, Esteban pensou
que perdera para sempre a capacidade de se apaixonar, mas “para sempre” é muito
tempo.
Após tamanha
desilusão causada pelo destino, Trueba decide partir para as terras abandonadas
de seu pai, deixando na capital sua irmã que cuida de sua mãe debilitada. Com
muito trabalho e dedicação, Trueba transformou Las Três Marias em uma fazenda
modelo e em dez anos conseguiu ver o sucesso bater à sua porta. Dono de tantas
terras, Esteban acreditava ser o melhor patrão da região, que sem ele, seus
empregados ainda estariam passando fome.
Com o poder dominando
seu bom senso e também graças ao seu gênio ruim, nada impedia aquele homem, em
cima de seu cavalo, de pegar a primeira menina de 15 anos na sua frente,
derrubá-la no meio do mato e atacá-la com brutalidade. Não foi apenas um caso
isolado, mas inúmeros! Os pais e irmãos das jovens não tinham coragem de
enfrentar o patrão depois que um homem de outra fazenda foi encontrado morto.
Assim, sua fama cresceu, e o poder que lhe subiu à cabeça o fazia acreditar ser
dono também daquelas pessoas.
Quando sua irmã envia
um telegrama informando que a saúde de sua mãe piorou, Esteban finalmente volta
para a cidade a fim de se despedir daquela mulher que ele não tinha muitas
lembranças boas. Após fazer o filho jurar em seu leito de morte que se casaria com
uma boa mulher, ela se vai em paz e entregue ao alívio. Ciente de que a família
de sua amada Rosa o aceitaria novamente, decidiu ir à casa dos Del Valle
encontrar uma noiva, com certeza eles, com tantos filhos, teriam alguma moça à
sua altura. Mal sabia Esteban que a pequena Clara agora era uma linda moça e já
havia previsto o seu casamento com o ex-noivo de sua irmã.
Clara era uma menina
especial, era clarividente e tinha os espíritos como amigos que a acompanhavam.
Na mesa durante o jantar, a mãe precisava controlar a filha mais nova,
principalmente na frente das visitas, para a menina não tirar um saleiro do
lugar com a mente ou mesmo levitar.
Com a trágica morte
de sua irmã por envenenamento, Clara viu, escondida, a pior cena que poderia
ver e que carregaria para o resto da vida: o médico da família fazendo a
autópsia do corpo de Rosa em cima da mesa da cozinha e o médico assistente, em
uma atitude um tanto mórbida, beijando todo aquele corpo nu, já limpo por ele,
idolatrando aquela que todos na cidade acreditavam ser imortal. Após o fatídico
dia, Clara não falou mais, durante dez anos, mesmo com as tentativas
insistentes de Nana lhe pregar peças e assustar, todas em vão.
Clara só voltou a
falar no dia em que comunicou aos pais que se casaria com Esteban, tornando
real a premonição dos espíritos meses depois. A moça já havia aceitado o seu
destino, mesmo sabendo que não se casaria por amor. No entanto Esteban,
contrariando a opinião de que jamais se apaixonaria por outra após a morte
prematura de Rosa, se viu completamente encantado pela beleza de Clara, e mal
sabia ele que daquele até o último dia de sua vida, ele faria de tudo para
possuir aquela mulher que jamais seria totalmente sua. Com o casamento, Esteban
constrói a casa da esquina para Clara, o lugar que com o tempo, seria abrigo e
ponto de encontro de pessoas necessitadas, de espíritos, de amigos, de
inimigos.
Clara manteve por
cinquenta anos vários diários que chamava de “cadernos de anotar a vida”,
separados por acontecimentos e não por ordem cronológica. Logo, as pessoas não
poderiam ter nomes iguais já que causaria confusão nos cadernos. O casal Trueba
teve três filhos: a primogênita Blanca, uma mulher ardente, obstinada e com uma
beleza luminosa, que manteve desde a sua primeira infância um amor arrebatador
pelo filho do capataz de seu pai, e que passa a ser desprezada por Esteban
depois que ele flagra os dois se encontrando à noite, escondidos, nas margens
do rio, ocasionando no nascimento de Alba, a única neta do casal e a adoração
de Esteban.
Os gêmeos Jaime e
Nicolás viviam juntos até a adolescência e quando um se metia em confusão, era
o outro que comprava a briga. Mas no começo da fase adulta os dois se
separaram, com seus interesses nada em comum. Jaime entrara para a universidade
e se transformaria no médico que mais ajudaria a população pobre, enquanto
Nicolás vagaria por toda a vida procurando um destino.
A obra é cheia de
detalhes e Allende narra com delicadeza a vida das três gerações da família
Trueba, a construção do amor de Esteban por Clara, os nascimentos conturbados
dos três filhos, as crianças crescendo e o pai percebendo que nenhum deles
tinha os mesmos objetivos que os seus, a decepção do rei das terras ao ver sua
filha se relacionar com o filho de um empregado que pregava uma linha política
e lutava a favor dos direitos dos trabalhadores, a gravidez de sua filha que
resultou no afastamento e silêncio total de Clara com o marido, da perda do
amor dos filhos pelo pai, que sempre julgou ao invés de apoiar e orientar, os
trabalhos espirituais de Clara e de sua ajuda humanitária com os pobres e
necessitados, o surgimento da ditadura no país, em 1973, e da destruição que o
próprio Esteban acabou ajudando a criar, perdendo sua família e o levando a
cada dia para mais perto de sua morte.
Não teve um momento
durante a leitura que não me revoltei, que não me emocionei, que as lágrimas
não rolaram seja por nervoso ou por angústia, que consegui simplesmente não
sentir absolutamente nada. Isabel Allende construiu personagens incríveis para
narrar uma história de ficção, mas que tem como base fatos reais de seu país,
inclusive da história de sua própria família, já que Salvador Allende, o
presidente eleito democraticamente pelo povo, que governou o Chile de 1970 a
1973, e assassinado após o golpe de estado liderado por Augusto Pinochet, em 11
de setembro de 1973, era irmão de seu pai, o diplomata Tomás Allende.
“A casa dos espíritos” é
um dos romances que, na minha opinião, deveria ser uma leitura obrigatória. A
obra também serviu de inspiração para o filme com o mesmo título, lançado em
1993, com Meryl Streep, Glenn Close, Winona Ryder e Antonio Banderas e que é
simplesmente maravilhoso.
E você, já leu essa
história ou alguma obra de Isabel Allende?
Me conta nos
comentários!
Espero que tenha
gostado! A gente se vê no próximo post, até lá!
A
CASA DOS ESPÍRITOS
PÁGINAS:
448
AUTOR:
ISABEL ALLENDE
EDITORA:
BERTRAND BRASIL