Aquela famosa frase
“não prometeu nada, mas entregou tudo” resume a minha opinião sobre “A pequena coreografia do adeus”, de
Aline Bei. A capa do livro chamou minha atenção durante uma visita ao sebo e
livraria A Degustadora de Histórias,
aqui em Ribeirão Preto, a sinopse na contra capa me fez querer levar pra casa.
E trouxe. E com o perdão da palavra, foi um puta livro! Acho que 2024 me trouxe
mais leituras surpreendentes do que esperava, a ponto de ficar com ressaca
literária mais do que imaginava também, na nostalgia e na tristeza de não
encontrar algo tão bom quanto depois do ponto final.
“Pequena
coreografia do adeus” é um tapa na cara. Em vários momentos
durante a leitura me peguei presa ao meu próprio passado, analisando as
atitudes da minha mãe, a convivência que tivemos, a convivência que temos, tudo
o que sou hoje, a educação que tive, a pessoa que me tornei e que quero ser um
dia. A leitura não me deixou nada confortável, e se tem uma coisa que fiz muito,
foi ser analítica e crítica com toda a minha história.
Como o próprio título
diz, a diagramação do livro parece uma coreografia, é um misto de prosa com
poesia, que não permite parar a leitura enquanto não vemos o traço que separam
os capítulos subentendidos, e ainda assim, que quase não nos permite largar a
obra e nos lembrar de seguir com as nossas obrigações.
Júlia é filha de pais
separados e chega à vida adulta tentando juntar os cacos de um relacionamento
destroçado. Filha única no meio de dois opostos, sua mãe não suporta a ideia de
ter sido abandonada pelo marido, enquanto seu pai não suporta a ideia de ter
sido casado. Ao crescer sufocada por uma atmosfera de brigas constantes e da
falta de afeto dos dois, Júlia tenta pouco a pouco se desvencilhar dessa
bagagem emocional de traumas familiares para reconhecer a sua individualidade e
dar sentido à sua história.
Narrado em primeira pessoa pela própria protagonista,
acompanhamos a garota que tenta encontrar o seu lugar em um mundo fragmentado
quando seus pais se separam, deixando Júlia com a certeza explícita de que
realmente não era desejada por ninguém ou que teria espaço na vida deles.
Rejeitada e incompleta, Júlia precisa colocar para fora todas essas emoções
mesmo não sabendo como agir, assim, acaba quebrando o nariz de uma colega
durante uma briga na escola, ocasionando em uma surra de sua mãe, mais uma
entre tantas que levou, além da destruição de objetos pessoais seus, que eram
para Júlia um passaporte de que, cedo ou tarde, ela também realizaria seus
sonhos.
Júlia não entende porque não tem o carinho que tanto deseja, carente
de afeto e atenção, ela passa a aceitar as migalhas que seu pai e sua mãe
raramente dão. A saga continua com a luta de Júlia, ferida e exposta, tentar se
agarrar a algo que não tem e que não encontra, enquanto sua mãe não se importa
com nada além da própria revolta por ter um casamento falido e do pai que,
agora solteiro, pode aproveitar sua vida totalmente, esquecendo completamente
da filha e de que suas atitudes influenciarão no futuro de Júlia. Ambos, na
verdade, se esqueceram disso, esqueceram da responsabilidade da criação e do direito
que Júlia tinha ao afeto deles, cada um cozinhando os próprios sentimentos em
banho-maria como se não quisessem largar o osso nunca.
Sentindo a necessidade de colocar tudo para fora sem agredir
ninguém, Júlia começa a escrever um diário e passa a colocar nele toda aquela
dor que ela mesma não entende como sente. Acompanhamos a descrição de um pai
legal, que aparece de vez em quando apenas para se divertir com a filha, mas
incapaz de ser tudo o que ela precisava. Uma mãe que é uma figura rígida, que
sempre foi, mas que piora com a responsabilidade de criar uma criança sozinha.
Aqui vemos o misto de amor e ódio que Júlia sente pelos pais.
Em um longo processo, consolador e também angustiante, entre
lembranças da infância e da adolescência que moldaram quem ela é, e sonhos para
o futuro que podem ajudá-la a se tornar quem ela quer ser, Júlia encontra
personagens essenciais para enfrentar a solidão, como a dona da pensão onde
mora, já na fase adulta, e que passa a ter um papel de mãe para ela; a
proprietária do café em que trabalha; um boxeador que frequenta o café; e um
misterioso escritor vizinho da pensão. Enquanto tenta dar sentido à sua história,
Júlia ensaia sua própria coreografia, numa sequência de movimentos de
aproximação e afastamento de seus pais que lhe traz marcas permanentes.
Parece um tanto
clichê falar, mas esse é um romance que me emocionou muito, me fazendo chorar diversas vezes, e
que mostra como nossas relações moldam quem somos. Esse é a primeira
obra que leio de Aline Bei, mas que também escreveu “O peso do pássaro morto”,
que já coloquei na minha lista.
E você, já conhecia
essa obra? Comenta aqui em baixo.
A gente se encontra
no próximo post!
PEQUENA
COREOGRAFIA DO ADEUS
PÁGINAS:
282
AUTOR:
ALINE BEI
EDITORA:
COMPANHIA DAS LETRAS