Aquele livro de capa azul com a imagem das
pernas de uma menina usando meia 3/4, típica colegial de um colégio interno,
sempre me deixou intrigada. O livro chegou em casa no mesmo ano que foi
publicado pela Folha, em 2003. Na época
eu tinha 13 anos, e hoje eu dou graças a Deus por não ter tido curiosidade
suficiente para abrir as suas páginas.
Um dos clássicos da literatura do século 20, “Lolita” foi considerado em sua época uma
obra destinada ao escândalo, que incitava a pornografia infantil, vulgar,
erótico e libidinoso. Devido a essas
críticas, agradeço a experiência de mundo que tenho hoje para enfim tê-lo
finalizado e poder então dar minha opinião sobre o contexto.
Em suas últimas páginas, uma nota do próprio
autor falando sobre a obra, traduz muito do meu sentimento quanto à narrativa.
Ri sozinha quando li seu texto tão óbvia era a reação dos leitores. Depois
disso, minha visão crítica mudou quanto à obra num todo, mas os detalhes ainda
repercutem minha opinião.
O que dizer do obsessivo professor universitário
de meia-idade, Humbert Humbert, um homem que deseja com fervor e faz de tudo
para possuir aquilo que quer? Dependendo do contexto, posso dizer que é nojento
e revoltante, visto que o objeto de posse é uma menina de 12 anos.
“Lolita”
pode sim ser considerado um romance típico, quando a idade não vem à tona.
Afinal de contas, quando estamos apaixonados somos capazes de muitas coisas
para conquistar o coração e a atenção de quem amamos.
Narrado em primeira pessoa, a obra é o diário
de Humbert, que está aguardando seu julgamento após ser acusado de assassinato.
Enquanto espera ele decide escrever aos jurados a sua versão da história e
começa a reviver os dias que passou ao lado de sua Lolita e todos os truques
que usou para conquistá-la.
Humbert conta que, Lolita começou com
Annabel, uma menina por quem foi apaixonado quando ainda era uma criança.
Descobrindo juntos uma paixão inocente, o desejo cresceu aos poucos, dando
lugar a encontros escondidos onde tocar lugares proibidos era permitido. Essa
sede por um corpo novo, ainda em desenvolvimento, tomou conta dos sentimentos
mais profundos de Humbert até a fase adulta.
Com sua chegada aos Estados Unidos, em 1940, vindo
da França após um casamento catastrófico, Humbert assume os negócios de um tio.
Passava os dias no Central Park vendo ninfetas brincarem, se divertindo apenas
em observá-las. E como era detalhista, nosso personagem! Após uma depressão
profunda e um período em um sanatório, seu médico recomendou que uma vida ao ar
livre pudesse lhe trazer alguns benefícios.
Assim, Humbert parte em uma expedição para
regiões árticas do Canadá. Mas ao voltar para a civilização, um novo acesso de
insanidade toma conta do professor. A fim de procurar algum lugar mais calmo para
poder voltar a escrever, Humbert chega a uma pequena cidade no interior da Nova
Inglaterra, e enfim conhece a sua Lolita.
A visão da menina faz Humbert voltar no tempo
e buscar Annabel, e aquele desejo que ficou insaciável na infância vem à tona.
Os dias que passa como inquilino na casa da mãe de Dolores – Dolly, Lolita,
Lola, Lô – são propícios para que cresça a paixão que Humbert sentiu quando viu
Dolly pela primeira vez.
A partir daí os leitores acompanham a saga de
um homem tentando aproveitar cada segundo ao lado da menina para seduzi-la.
Apesar de ser considerada uma obra pornográfica, a narrativa não tem nada
explícito. Há inocência por parte de Dolly, que trata Humbert como “um homem
qualquer”. Órfã de pai, a menina briga pelas tirinhas de seu jornal, se
interessa pelas suas anotações e seu trabalho, e mantém uma paixão de menina,
escondida, pelo homem mais velho que habita sua casa.
Humbert é considerado um pedófilo, visto que
abusava de uma menina de 12 anos, fisicamente e psicologicamente. Mas a menina
não era tão inocente assim, já que havia muito mais malícia em suas atitudes.
Depois de muita insistência o romance é consentido, e o casal passa a percorrer
os Estados Unidos em uma viagem de amor, de descoberta, de atitudes infantis
(afinal de contas ela é uma menina, que está em fase de crescimento e tem a sua
rotina alterada), de uma conquista diária a qual Humbert se submete para ter
seus caprichos pedófilos satisfeitos.
A linguagem usada na narrativa me cansou em
praticamente todas as páginas. Muitas vezes Humbert é um maluco, desaforado,
que julga e condena demais as pessoas que não gosta. E foi isso que me fez não
sentir um pingo de empatia por ele – e não exclusivamente suas atitudes
pedófilas. Ele usa ainda citações clássicas demais, o que me fez ficar perdida,
porém não deixa de ser um personagem inteligente já que é um professor
universitário de literatura. Como bom francês, o personagem adota em suas
páginas frases francesas, o que também acaba confundindo o leitor que não
domina a língua.
Levando em conta os detalhes, não recomendo a
leitura. Finalizei “Lolita” por
insistência própria, visto que minha curiosidade não tomava mais conta de mim
desde as primeiras páginas – o mesmo aconteceu com muitos leitores. O que
irrita é a obsessão do personagem de acreditar cegamente que ele é único, que
Dolly nunca vai crescer e vai preservar o seu corpo de menina/ninfeta, que ela
nunca vai querer ter outra vida a não ser a que tem com ele e que ele é um
santo.
É revoltante quando Humbert obriga Lolita a
ficar com ele, ameaçando a menina, dizendo que se ela não se comportar ou chegar
a denunciar ele, ela vai parar em alguma instituição ou reformatório para
meninas; um louco que acredita que não seduziu a menina, mas que ela é quem o
seduziu, por isso suas atitudes são “santas” e justificáveis; quando ele é
contra ela ter amizades – as meninas nunca são boas o suficiente, sempre
gordas, ou feias, ou com a cara cheia de espinha –, e quando ele ameaça todo e
qualquer rapaz que troca poucas palavras com Lolita.
Lolita é sua, lhe pertence, por isso é
proibida de ter contato com qualquer um que a tire dele. Seus dias devem
pertencer a ele, tanto que o louco a persegue mesmo quando ela está na escola.
Vendo a obra como um todo, recomendo a leitura.
É preciso quebrar tabus e críticas, é preciso criar a sua própria opinião
através da sua perspectiva. Particularmente nunca conheci ninguém que tenha
lido “Lolita”, mas como a própria
obra foi “acusada” de opiniões controvérsias, fica a dica para você, mais uma
vez, ler e tirar suas próprias conclusões.
Acredito que, para a época, “Lolita” deve mesmo ter dado o que
falar. Por isso retomo a minha afirmação no começo dessa crítica que, ainda bem
que a obra “caiu em minhas mãos” hoje, quando já tenho opiniões formadas quanto
ao mundo. Se a menina de 13 anos tivesse lido a narrativa, com certeza ela
estaria traumatizada, por assim dizer, até hoje.
É preciso estar preparado para o mundo. É
preciso ter consciência de que tudo é maior do que pensamos. É preciso ter a
malícia e compreender que muitas coisas estão fora do nosso entendimento. Mesmo
quando uma obra de ficção cai em nossas mãos, muitas vezes ela foi inspirada
por fatos reais.
Espero que você leve em conta a sua própria
curiosidade e não use a minha opinião como única verdade. Apesar do meu
sentimento quanto à obra ser bipolar – uma hora eu gostei, na outra eu detestei
– recomendo sim a leitura. Afinal de contas, nada melhor do que um clássico
aclamado para nos fazer evoluir.
LOLITA
AUTOR: VLADIMIR NABOKOV
EDITORA: FOLHA DE S. PAULO
PÁGINAS: 320